Blog da Marcinha

Ao postar emoções, medos, sensações e utopias aqui, através de fotos, pensamentos, crônicas, artigos e poesias, entrego a vocês um pedaço enorme do meu coração, por vezes ferido, outras alerta ou contente. Use com moderação!

19 abril, 2009

À flor da pele (*) (**)


Ando tão à flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar, que teu olhar flor na janela me faz morrer, que meu desejo se confunde com a vontade de não ser, que a minha pele tem o fogo do juízo final. No sábado à noite, depois de chorar vendo uma cena da Belíssima e de me torcer de tanto rir ao ouvir uma pergunta sobre o tamanho do membro do homem no programa Saia Justa, passei a cantar, baixinho, para não ferir os ouvidos alheios, a música acima. Denominada de Vapor Barato, na voz mansa e suave do Zeca Baleiro, a melodia parecia sob medida para o meu momento. Quase um ensaio biográfico.

Sempre fui assim um pouco “manteiga derretida”, e quem nunca ouviu essa expressão que atire a primeira pedra. Quer dizer, uma pessoa que chora à toa, derrama lágrimas em exaustão, deixa sempre a emoção fluir em forma dos pingos que caem dos olhos. Está sempre à flor da pele. Desde pequena. Na rua da zona sul, onde passei parte de minha infância/adolescência, chorava porque sempre era escolhida a “Miss Simpatia” no concurso com as amigas ou porque tinha que fazer a filha rebelde nas peças de teatro. Mais tarde, fui a maior consumidora de lenços de papel para enxugar lágrimas de amores não correspondidos.

No meu primeiro emprego, já adulta (ai, que mico), chorei inconsolavelmente porque o Editor de Economia tinha implicância comigo e malhava meus textos. Fiquei lá uns três anos e fui para um jornal de circulação maior. Até que, inspirada por Vivian Leigh, encarnei uma Scarlett O’Hara e jurei nunca mais chorar em emprego enquanto me chamasse Márcia Martins. Simples. Troquei de emprego e passei a assinar o nome inteiro, mais chique e fashion: Márcia Fernanda Peçanha Martins. A troca deu tão certo que ex colegas da Famecos ao ler meus textos no Coletiva, mandam e-mail perguntando se sou a mesma.

De volta à música que me persegue e ao ânimo dos últimos dias, tenho me sentido um barco sem porto, sem vela, cavalo sem sela, um bicho solto, um cão sem dono. Às vezes choro muito e outras dou gargalhadas gostosas. Foi o que ocorreu nesta terça-feira quase cinzenta na minha Porto Alegre de pautas muito oficiais. Até chegar ao destino da primeira pauta, perto da Estrada da Serraria, dei gaitadas de tanto rir com as histórias do motorista e do fotógrafo cantando e batucando no carro. Para cumprir a pauta, deixei a palhaça no carro e anotei com seriedade no meu bloco tudo que devia.

No caminho para a segunda pauta, tentei engatar um assunto sério, mas foi inviável. Continuei no clima e não deixei de rir. Pelo menos para o consumo externo. Porque enquanto o carro rodava e rodava para encontrar a obra da pauta naquele morro sujo e cheio de casas caindo aos pedaços, eu pensava na minha roupa engomada, minha calça preta, meu blazer de general e minhas mãos cheias de anéis. Um contraste com a realidade dos moradores. Um povo que mal consegue estender para secar a única peça de roupa decente porque não tem água encanada. E o cartaz, cheio de erros, avisa que tem festa a R$ 1,00 no bar do Paulo à noite.

Com pressa, que ainda queria assistir uma palestra sobre a economia brasileira atual antes de dirigir-me para meu “lar doce lar” para assumir a minha quarta jornada, troquei umas letras enquanto redigia, o que foi motivo para uma nova sessão de gargalhadas. Um som esquisito demais que saiu de um celular de alguém não identificado na Redação e um comentário malicioso feito com a amiga ao lado e mais risadas. Será que tudo isso já é uma antecipação do meu inferno astral. Ai, Deus me livre de um período assim tão longo protagonizado pelo demo.

O medo do quase assalto da noite anterior (santo protetor dos malucos e oprimidos esteve ao meu lado e me amparou quando eu chutei as canelas do assaltante e desci a lomba correndo) me aconselhou a pegar um táxi. No curto caminho até a minha casa, quando imaginei que iria descansar um pouco da agitação do dia, o motorista não fechou a matraca um só minuto. E, irremediavelmente, terminei rindo das histórias dele. Ao abrir a porta do apartamento, o cenário permitia ataques de choro e de riso intercalados. Louça para lavar, roupa para colocar na máquina, correspondência para abrir, contas para priorizar o pagamento, determinar a comida do outro dia, recados na secretária eletrônica, olhar e-mails, saber como foi o dia de minha mãe e esperar Gabriela, afoita com suas novidades.

Oh, sim, eu fiquei tão cansada, mas não prá dizer que eu não acredito mais em nada. Não é inferno astral, nem descompasso, nem desânimo, nem pagamento de dívida de vidas passadas, nem loucura assumida, que louco que é louco não avisa, ou sobrecarga de trabalho. É a vida que ainda pulsa. É o amor que ainda vive. É o amanhã que ainda me espera. É o olhar que ainda enxerga toda a realidade. É que ainda estou à flor da pele.

(*) márcia fernanda peçanha martins
(**) publicada originalmente no site http://www.coletiva.net/ no dia 26/abril de 2006 e por isso, fala da novela Belissima e do tempo em que não estava licenciada do Correio do Povo

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