Blog da Marcinha

Ao postar emoções, medos, sensações e utopias aqui, através de fotos, pensamentos, crônicas, artigos e poesias, entrego a vocês um pedaço enorme do meu coração, por vezes ferido, outras alerta ou contente. Use com moderação!

23 agosto, 2009

Clima de chuvas e trovoadas (*)

Desmarquem seus compromissos, adiem as possibilidades de romances, cancelem os namoros recentes, os mais duradouros conhecem e não se assustam com as pantufas. No máximo, um beijo roubado. E providencie a entrega pela locadora de um pacote de DVDs para, literalmente, passar o mau tempo. Pipoca, vinho e uma comida quentinha também são aconselháveis. Serão, no mínimo, dois dias de chuvas e trovoadas. Se alguém levasse a sério as previsões metereológicas, certamente, teria seguido à risca as orientações acima. Eu, nem que me avisassem que alguém havia me visto na esquina, arrastava o pé de casa para me procurar.

O final de semana de 8 e 9 de agosto foi de chuvas intensas. E a semana começou sob o domínio dos ventos gelados soprando do quadrante sul. Antes de continuar, confessarei um crime ou sadismo feio para uma pessoa do bem. Sempre que pegava o plantão no Correio do Povo no domingo à tarde, sabia que a chefe Jurema Josefa me mandaria ver a previsão do tempo. Nos primeiros plantões, enchia o texto de esparsos, de quadrantes e velocidade do vento. Com o espaço do Correio reduzido para tanta sabedoria, adotei a vingança de sair na rua olhando com superioridade por antever o que seria do Planeta em segundos, ora.

Neste clima de pancadas de chuva, fiquei hibernando em casa, ouvindo uns CDs que ganhara de aniversário, concluindo a leitura do livro “Leite Derramado” do meu amante, o Chico Buarque (me amarrem que sou louca) e até, dormindo em demasia por conta de uma gripe analfabeta que me atingiu. Pilotei o fogão, porque domingo que é domingo precisa ter sua dose de tragédia, e se fosse para matar alguém aquela meleca que chamei de comida, a vítima seria eu, porque Gabriela passava o domingo com o pai dela. A trovoada maior ocorreu quando o meu tricolor resolveu perder para o Barueri.

Vivendo esperando dias melhores, dias de paz, dias a mais, quase desisti ao ler numa comunidade do Orkut o depoimento do tio de uma jovem de 24 anos que desaparecera na manhã de sábado. Pensei com meus botões, onde estamos meu Deus, que não se pode mais sair de casa de manhã cedo com a certeza de que se vai voltar. E, ainda, sem conhecer os detalhes do drama da menina que queria apenas aprender a dirigir e se encaminhava para a autoescola, a alguns metros de sua casa, no sábado pela manhã, pedi a todos os santos que sempre protejam e iluminem a minha Gabriela Martins Trezzi.

E ao percorrer o centro atrás de um remédio milagroso para a minha gripe, na segunda-feira, amaldiçoei o segundo em que decidi colocar o pé na rua. Desviando das sombrinhas histéricas e dos sobretudos encharcados (porque deveria existir um manual de etiqueta para dias chuvosos), encontrei os índios que habitam a Rua dos Andradas. De esquina em esquina, os pequenos índios se aglomeravam e cantavam algo que eles chamam de música. E, num ato contínuo lembrei-me do Nei Lisboa do Bom fim cantando “Vinde as mim as criancinhas do Nordeste, que eu ensino a fome a receber cachê”.

Voltei para o meu apartamento, com a porta para arrumar, a cortina para colocar, o interfone para ver porque não fala, os credores me cobrando, e um novo sorteio de contas a pagar, e me senti completamente feliz, estupidamente feliz, loucamente feliz. Porque a chuva continuava a bater na minha janela, eu mesmo combalida pela gripe ainda tinha forças para cuidar de problemas domésticos e a minha filha estava inteirinha lá para me abraçar. E dormi agradecendo a Deus ou sei lá que nome tem pelo que ainda não me tiraram da vida.

(*) márcia fernanda peçanha martins (publicado no site coletiva.net)

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