Blog da Marcinha

Ao postar emoções, medos, sensações e utopias aqui, através de fotos, pensamentos, crônicas, artigos e poesias, entrego a vocês um pedaço enorme do meu coração, por vezes ferido, outras alerta ou contente. Use com moderação!

12 agosto, 2009

Meu Super-Herói (*)


Hoje, quando embalo, nas tardes de sábado, minha neta torta, a pequena Lohana, filha da sobrinha e afilhada Camila, abro a porta da memória em que se guarda as recordações mais lindas e pueris da infância. E sem nenhuma resistência vejo filmes em preto e branco, alimento lembranças que parecem vagas, mas que ocupam ritos de passagem de minha vida de criança e do início da adolescência. Uma sala imensa no apartamento da Rua Fernando Machado, onde morei até perto dos nove anos. Mais tarde, um espaço menor na Rua Doutor Mário Totta, na época totalmente desbravada, e que foi meu abrigo até os 21 anos aproximadamente.

Nas duas salas, com decorações diferentes e localizações extremas: os mesmos protagonistas. Ouso dizer que era um elenco de primeira. Uma família de seis pessoas (um casal e suas duas filhas, mais velhas, e dois filhos, caçulas). No ambiente preferido pela família, porque a televisão tinha posição de destaque nas salas, a vida da família era passada a limpo. Os problemas no trabalho do pai, as dificuldades da mãe com as lides da casa, as brigas das gurias com as coleguinhas, os temas que os guris tinham que fazer, muitas vezes ajudados pela coleção das Enciclopédias Barsa e Conhecer (sim, nada de internet e Google).

As lembranças ficam mais consistentes com o passeio frenético do meu pai. Sua figura, às vezes, taciturna e outras amável e carinhosa. Os passos fortes ou mansos, para não acordar ninguém quando chegava tarde do jornal. As broncas que ele me passava sempre que eu lhe desafiava, e eu fazia com freqüência, com trema e teima. Então, tudo fica mais nítido no meu álbum de recordações. No ambiente da Fernando Machado, eu me enxergo empurrando o carrinho com meu irmão mais novo, o Dedé, Dédi ou Luli, que não está mais entre nós, e meu pai olhando com admiração o meu carinho pelo recém-nascido. No final, pai e irmão dormiam.

Por longo tempo, fui uma espécie de babá dos meus irmãos menores. E, não sei se pelo enorme amor fraternal que sentia pelos dois, ou se pela ausência das tecnologias que hoje seduzem as crianças e os adolescentes, gostava da tarefa. Uma consequência foi o adiamento da gravidez de minha filha Gabriela Martins Trezzi para depois dos 30 anos. E outra, foi o apelido que ganhei dos guris, Bá (de Babá), abandonado quando todos compreenderam melhor a situação. A mais influente, no entanto, foi certa idolatria cega nutrida pelo meu pai, e que resultou, depois no meu afastamento quando descobri falhas no meu super-herói.

Lá na casa do bairro Tristeza, semeio reminiscências de um tempo em que aprendi, definitivamente, a admirar meu pai, como profissional e como chefe de uma família, daquelas consideradas normais, com seus preferidos, seus atritos e suas confraternizações. É naquele espaço que vejo meu pai vibrando quando passei no vestibular, pilotando a churrasqueira nos finais de semana, tentando me ensinar a dirigir, num fuca vermelho 69, escondendo no pátio a minha Calói que ganhei de Natal, comendo laranja no sol depois do almoço. Nestes pequenos acontecimentos e em outros que não citei, o meu pai segurava minha mão ou estava ao meu lado.

Meu pai, que não é um super-herói, não nos moldes tradicionais, que sofreu um tempo com meu afastamento leviano e irreparável, que soube, diversas vezes, acomodar minhas aflições no seu colo, e abriu seus braços enormes para me receber mais tarde, já com minha filha adulta, é um ser humano que amo demais. Ainda vive, reside numa praia com uma filha pequena, minha irmã de 12 anos. E sempre viverá nas minhas lembranças, nos bisnetos dele que embalarei, em todo a ternura que perfuma os meus dias.
(*) márcia fernanda peçanha martins, publicado no site coletiva.net

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