Não pode entrar, não! (*)
Era uma tarde cinzenta de chuva daquelas que não dá vontade de ser muito criativo e, literalmente, esperava o tempo passar escrevendo uns rabiscos no computador. Quando fui sacudida pelo som da campainha do apartamento. Quem seria ? Se a recepção não anunciou ? A minha filha Gabriela Martins Trezzi recém saíra para o cinema com amigas, o cachorro Dalai sossegava aos meus pés (sim, ela agora tem um totó e adivinhem quem cuida ???), e eu nem imaginava quem seria. Espiei pelo olho mágico e reconheci aquela senhora carrancuda, de corpo calejado, olhar desesperançoso e expressão sombria.
A Dona Melancolia estava ali paradinha na porta, esperando uma pequena fresta para conseguir entrar. E insistiu várias vezes apertando o botão da campainha Mas, creio que os latidos “poderosos” do Dalai, um shih tzu incapaz de amedrontar até um ratinho, fizeram a Dona Melancolia dar meia volta e procurar outra freguesia. Ou o silêncio fúnebre que me impus enquanto ela não deixasse a minha porta. Ou a promessa secreta de que ela não me visitaria na nova morada. Sei lá. Algo impediu que ela permanecesse na porta até que alguém entrasse, ou que eu tivesse que sair ou codificou o sinal de que não seria bem recebida.
Mas a certeza de que ela não havia penetrado naquele corpo que não lhe pertencia não foi suficiente para afastar alguns pensamentos malignos (ahahahah... entendam isso como uma risada de bruxa malévola). Lembrei do velho ensinamento chinês (será ???) que a vida de uma pessoa está completa depois que ela escreveu um livro, plantou uma árvore e teve um filho. Não necessariamente nesta ordem que a sabedoria oriental não é tão severa e meticulosa. Como uma boa neurótica de plantão, liguei a visita indesejada da Dona Melancolia à tradição e pensei. Meu Deus, será que ela está querendo me dizer ou insinuar algo ?
Opa. Parem as máquinas. Não está na minha hora ainda. É preciso analisar o pensamento chinês com outro viés. Deveria ficar melancólica e entender a necessidade de uma vida completa somente com livro, árvore e filho, se estivesse desnuda de emoções, esquelética de paixão, sufocada pela falta de ar. Nas entrelinhas, significa que escrever um livro é repartir sentimentos com conhecidos e até estranhos. Quem sabe difundir algum conhecimento ou bobagem. Plantar uma árvore é semear o solo para que outras gerações tenham o que respirar. Um compromisso com o meio ambiente. E ter um filho é plantar a vida. É renascer.
Sou gananciosa. Quero mais. Não estou satisfeita com os dois E-Books (livros virtuais) lançados pela comunidade “Poemas à Flor da Pele” do Orkut, em que compareço com dois poemas. Tampouco sinto-me compromissada com o futuro verde do planeta com as árvores que plantei por aí (e não estou fazendo referência àquela experiência do feijão). E se engana totalmente quem pensa que as qualidades sempre enaltecidas da minha Gabriela servem para acalmar meu lado maternal. Claro que não tenho do que reclamar no quesito filho. Fui abençoada e depois, com certeza, Deus tonto com tanta perfeição, jogou a forma fora.
Não sei se estou ficando velha (o que seria prematuro demais na minha idade – hehehehe). Não sei se a saudade do pessoal da redação do Correio me faz mais pensativa. Não sei se o afeto de férias dos amigos da Saudosa Maloca me deixa carente. Talvez a tentativa da Dona Melancolia. Apenas sei que ainda tenho muitas idéias para escrever e muitas mudas e pás para plantar árvores e arbustos nos jardins da vida. Muita perna para correr atrás da Gabriela, muito ombro para lhe oferecer abrigo, muitos conselhos para repassar. E um desejo de mais tarde, bem mais tarde, ver a minha vida renascer novamente nos netos.
(*) márcia fernanda peçanha martins (publicado originalmente no www.coletiva.net
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1 Comentários:
Oi, Márcia!
Não tive o prazer de ter lido esse texto no Coletiva.net antes. Viu como é bom às vezes a gente republicar algo quando pinta uma oportunidade? Me identifiquei quanto a luta para não sermos dominados pela melancolia, a certeza de que se tem muito mais para fazer, e que a idade biológica não equivale necessariamente à mental.
Como sugestão, já que teu blog tá no início, vale recuperar "O melhor de Márcia Martins" no Coletiva.net. Creio que será um belo resgate. Aquele sobre o carnaval, ano passado, não esqueço até hoje, tanto que postei um comentário, lembra?
Beijão.
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