Estas Marias de agora (*)
Mas foi preciso muita mulher sofrer violência doméstica antes; assistir ao arquivamento massivo dos processos (quando o crime era denunciado) ou até mesmo engolir calada, conforme a sensibilidade do delegado que fazia o Boletim de Ocorrência (BO), a insinuação de que ela provocara ao andar com trajes ousados ou rebolar o seu bumbum bem torneado. Até que uma biofarmacêutica brasileira, hoje com 60 anos e três filhas, resolveu dar um basta às freqüentes agressões que seu marido, um nobre professor universitário, lhe aplicava. Em 1983, ele tentou matá-la duas vezes. A mulher não morreu. Ficou paraplégica.
Maria da Penha Maia acordou para a vida e lutou para que seu agressor fosse condenado, no episódio conhecido, pela primeira vez na história, como um crime de violência doméstica. Sua história gerou a Lei Maria da Penha, que reconhece a gravidade dos casos de violência doméstica, e tira dos juizados especiais criminais, destinados ao julgamento de crimes de menor potencial ofensivo, a competência para julgá-los. Implantada há dois anos, a lei despertou um Brasil mais vigilante e menos tolerante com a violência contra as mulheres. E permitiu que as mulheres, graças aos mecanismos de apoio criados, denunciassem. Sem medo da cara torta e brava do agressor.
Uma pesquisa realizada pela Themis (Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero), entre os dias 17 e 21 de julho, com 2002 entrevistados em 142 municípios brasileiros, mostra que a Lei Maria da Penha tem 83% de aprovação da sociedade. Os dados do trabalho, em conjunto com o Ibope, e com o apoio da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, surpreendem ao constatar que a maioria da população brasileira (68%) conhece a lei, sancionada no dia 7 de agosto de 2006; 33% acreditam que a lei pune a violência doméstica; 21% pensam que ela pode evitar ou diminuir a violência contra a mulher e 13% entendem que a lei tem ajudado a resolver o problema.
Há muitos itens significativos no levantamento, facilmente acessado na página da Themis (www.themis.org.br), mas o importante é alertar às mulheres de que não precisam aceitar violência física, psicológica, moral, sexual, patrimonial ou de cárcere privado (as principais relatadas no primeiro semestre através do telefone 180, serviço da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres que funciona 24 horas, todos os dias da semana, inclusive finais de semana e feriados). Que ser mulher é uma honra; que não se leva desaforo para a casa; que não se deve deitar com o agressor; que ser feminina não significa burrice e conformismo; e feminista é bem mais do que queimar sutiã em praça pública.
Todas nós, mulheres, temos um dom, uma certa magia. Temos o som, a cor, o suor, uma dose mais forte e lenta do instante em que devemos sorrir. Mas, assim como a Maria da Penha, merecemos viver e amar neste planeta, sem o perigo de rótulos porque provocamos, insinuamos, rebolamos, mexemos os quadris. A todas que passaram a viver, em vez de agüentar, que tiveram raça, gana e graça para manter seus sonhos, meu muito obrigado. E aos homens que ainda fazem da força seu mais forte refrão, muito cuidado. Não existe só uma Maria da Penha neste País.
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