Quintana, Drummond e Gabriela (*)
Como co-autores, a 54ª Feira do Livro de Porto Alegre, que já se incorporou ao calendário oficial da cidade na primeira quinzena de novembro, tem as assinaturas do prédio histórico do Santander Cultural, do MARGS, da agência central do Banrisul, o Rua da Praia Shopping. O solo que abrigou, a partir do final do século XVIII, o antigo porto fluvial da cidade, exibe com orgulho, desde 1955, a tradicional Feira do Livro, conquistando milhares de visitantes que procuram os lançamentos, as ofertas de livros novos ou usados a preços atrativos. Até o dia 16 de novembro, a praça tem uma única e poderosa dona: a literatura.
Mesmo que você, meu leitor, não disponha de dinheiro sobrando porque é comum o salário ser menor que o mês, não se acanhe e arrisque um breve passeio pela Praça da Alfândega. Se você não conseguir pechinchar (e este é um dos verbos mais usados na feira), caminhe pelos atalhos desconhecidos da praça e encontre aquele velho amigo da faculdade, admire o chafariz, faça um lanche nas redondezas e repare no sorriso daqueles que deixam o local com as sacolas cheias de livros. Quem sabe observe as enormes filas que se formam para os autógrafos em volta do palco central da feira? Ou toque nos manuscritos mesmo sem comprá-los?
Sem medo de ser chamado de louco, faça uma singela reverência aos monumentos e às esculturas do local, saudando Barão do Rio Branco e do General Osório. A praça, que teve obras de prospecção arqueológica, no ano passado, é uma senhora muito simpática, generosa, quase uma tia daquelas dos idos dos anos 70 e 80, sempre pronta para ouvir e dar conselhos, servir um café quentinho com bolachas amanteigadas, oferecer um banco para descansar e espalhar o perfume das flores singelamente pelo ambiente. Mas, duvido que, embaralhado com tantos títulos de livros, alguém se despeça da feira sem uma única aquisição.
Nas palavras do escritor Monteiro Lobato, “um país se faz com homens e livros”, o que talvez justifique a nossa crescente e gulosa vontade de ler e ler cada dia mais. Não possuo a biblioteca que eu gostaria em termos de quantidade e até de qualidade porque sempre estive equilibrada ou enforcada nas finanças. Mas, dos volumes que tenho e que, apesar de toda maravilha internética, ainda gosto de sentir o papel roçar meus dedos, os que mais amo foram comprados na feira. Os do Caio Fernando Abreu, do Ruy Castro, do Fernando Moraes, do Caco Barcellos e uns exemplares raros de autores antigos. Das feministas. Dos poetas.
Gabriela Martins Trezzi, que todos sabem tratar-se de minha filha, já anda com uma listinha das suas prioridades. E ouviu da mãe (essa mesmo que vos escreve) que teria que segurar sua ânsia consumista até o dia do meu pagamento. A adolescente triesperta e sabedora da data em que minhas finanças estão recheadas, está desde o final de semana perguntando quando chega do colégio: “mãe, que dia é hoje?”, como se ela não visse a data atual nas páginas do jornal ou não anotasse nos seus cadernos. Na terça (4 de novembro), no final da tarde, ela completamente eufórica: “oba, amanhã podemos ir à feira”.
Depois desta, imagino o que o gaúcho Mário Quintana soprou no ouvido do poeta Carlos Drummond de Andrade, ambos retratados em esculturas realizadas por Xico Stockinger no monumento que enfeita a praça onde os dois aparecem conversando. O poeta nascido em Alegrete falou para Drummond: “o livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado”. E o mineiro endossa: “a leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas, por incrível que pareça, a quase totalidade não sente esta sede”.
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1 Comentários:
Marcinha, Flor querida,
como é bom sentir o cheiro do papel - novo ou velho!!!
Como é bom saber que as tardes à sombra das árvores pode ser de prosa ou poesia!!!
Espero que os sulistas pensem feito devoradores de letras e sorvam desta oportunidade até a última gota!!!
Beijos e bênçãos,
Lydiah.
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