Blog da Marcinha

Ao postar emoções, medos, sensações e utopias aqui, através de fotos, pensamentos, crônicas, artigos e poesias, entrego a vocês um pedaço enorme do meu coração, por vezes ferido, outras alerta ou contente. Use com moderação!

14 maio, 2012

Mães de todos os filhos e filhos de todas as mães (*)(**)


O poeta Coelho Neto (1864-1934), um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, é autor de mais de 100 livros e 650 contos. Mas, apesar de ter sido consagrado “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”, em 1928, é conhecido nacionalmente, até hoje, pelo soneto intitulado “Ser Mãe”. Na referida obra, ele discorre com precisão e palavras rebuscadas sobre o ofício materno e encerra com a frase famosa que toda mãe já deve ter balbuciado um dia: “ser mãe é padecer num paraíso”.

Não lembro a minha idade precisa - suponho que não mais do que 12 - quando li, pela primeira vez, o soneto do Coelho Neto. Minha mãe tinha um álbum de recordações de capa dura marrom e uma colega sua reproduziu nas páginas já amareladas as estrofes sobre ser mãe. Achei o poema bonito. Por não ser ainda, naquela época, uma amante de poesias, fiquei mais encantada com o álbum, que ganhei dos meus pais no aniversário de 13 anos. O tal álbum de recordação era um livro com bom acabamento final e folhas internas pautadas (com linhas) onde os colegas e amigos deveriam escrever algo para ficar de lembrança pelo resto de nossas vidas.

Sempre me considerei uma filha boa. Não dava muitas preocupações para a minha mãe. Nem lhe enchia a cabeça de problemas. Ajudava com as tarefas domésticas. Tomava chá da tarde com ela. Apresentava um desempenho normal nos estudos. Vez em quando lhe confidenciava alguma travessura ou uma pequena paixonite. Acho que fui uma filha normal, sem ter com o que me rebelar. Apesar disso, era comum ouvir de minha mãe, quando resolvia alguma encrenca comigo ou com os irmãos, algo como “ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração... ser mãe é ser um anjo que se libra sobre um berço dormindo...”.

No último mês de 1994, depois de ver nascer a minha filha Gabriela (hoje com seus 17 anos), passei a entender completamente os sentidos daquelas estrofes tão melosas. Desde então, compreendo perfeitamente que ser mãe é andar chorando num sorriso e que ser mãe é ter um mundo e não ter nada. Cada vitória da Gabriela lembra-me uma estrofe. Cada noite mal dormida, na infância pelas doenças febris ou atualmente enquanto a aguardo voltar de alguma festa, lembra-me uma estrofe. Cada pequeno atraso no retorno do colégio e hoje da faculdade lembra-me uma estrofe. Cada briga (como existe esta alternativa na tal da adolescência) e cada carinho de recomeço lembra-me uma estrofe.

Pode o filho engatinhar, ter 11 anos ou já emancipado, que a preocupação materna é sempre a mesma. O discurso parece que sai igual dos lábios de todas as mães - guriazinhas, maduras, de primeira viagem, de outros países. Quando engatinha, o discurso vira um gesto frenético de proteger as quinas, afastar os tapetes, tirar as cadeiras da frente. Mais tarde, as mães insistem para que os filhos peguem um casaquinho porque o tempo “parece que vai virar”. E na hora em que a mãe quer se mostrar totalmente inserida no mundo atual e ser moderninha e propõe para o rebento um “papo aberto” sobre sexo. E os filhos fazem aquela cara de enfadonho? É tudo igual. Só muda mesmo o endereço.

Será a primeira vez que passarei a data comemorativa a estas criaturas inspiradoras de poetas sem a presença física da minha mãe, que faleceu em julho do ano passado. E já me debulho em lágrimas só de ver as propagandas sobre o dia na televisão. E tenho evitado ler no face ou no Orkut as mensagens que me encaminham sobre a data. Sinto-me uma legítima manteiga derretida (e quem não conhece este termo?). Com uma saudade doída da minha mãe, dos seus telefonemas, das suas visitas, das suas cobranças. Da sua vida ao meu lado.

Por isso, hoje a coluna não será somente dedicada às mães. Será também às filhas. Aquelas que ainda não são mães, as que já são e as que serão. Para que compreendam logo as estrofes dos poemas. Para que aproveitam bem todo o tempo com suas mães. Para que não deixem passar nenhum minuto perdido com bobagem e com briga.

E para as mães, deixo uma frase que circula na Internet como sendo de autoria de Elisabeth Stone, tão perturbadora e verdadeira quanto os versos de Coelho Neto. “A decisão de ter um filho é muito séria. É decidir ter, para sempre, o coração fora do corpo”.

(*) márcia fernanda peçanha martins
(**)publicado originalmente no site www.coletiva.net


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