Blog da Marcinha

Ao postar emoções, medos, sensações e utopias aqui, através de fotos, pensamentos, crônicas, artigos e poesias, entrego a vocês um pedaço enorme do meu coração, por vezes ferido, outras alerta ou contente. Use com moderação!

02 dezembro, 2008

A filha que eu queria ter e tive (*)

Mãe é tudo igual. Não adianta a revolução, o movimento hippie, o pós modernismo, o concretismo e qualquer outro ismo, que invariavelmente as mães saem todas do mesmo forno. Se o rebento (a) chega à casa da creche com um arranhão, resultado de diferenças entre coleguinhas, a mãe já pede uma reunião com a proprietária, a pedagoga, o pai e a mãe do agressor e sai da frente para ela não ter idéia de convocar o delegado. Mais velho, o filho (a) retorna da escola com um sorriso amarelo e a mãe não sossega até saber o que ocorreu ou não. E ao sair para a balada no verão, “vai, coloca um casaquinho”, elas dizem.

Só muda mesmo o endereço. E resta à filha (a partir desta linha, passo a usar o feminino porque relato parte da experiência com a minha Gabriela Martins Trezzi) aceitar e compartilhar a companhia materna, até que a morte, a independência financeira ou um menino sarado de piercing e tatuado a separe. Porque toda mãe vem sempre com um kit completo sujeito a pequenas variações. Noites sem dormir quando a febre passa de 37 graus, telefonemas noturnos para a pediatra sempre que aparece uma saliência na pele, nervosismo no primeiro dia de aula, lágrimas e lágrimas quando recebe os boletins.

Cenas rotineiras nas relações entre mães e filhas que se entendem e se desentendem. A cara de emburrada da filha (conhecem o termo né?) quando a mãe encontra o quarto bagunçado. É melhor nem abrir as gavetas. Olhar só o superficial. Ou a fisionomia de paisagem ao entregar um trabalho do colégio com bilhete da professora que exige assinatura. O jeito adolescente de evitar qualquer conversa envolvendo pequenos romances. A porta fechada para atender o celular e trocar confidências com as amigas. E qual mãe nunca engoliu em seco a filha falando em tom mais elevado do que deveria?

Mas existem as recompensas que as mães ostentam com orgulho. Como se fossem troféus. O primeiro trabalhinho de artes, que a mãe jura assemelhar-se aos traços de Picasso. Emoldurou e está pendurado no quarto materno. A foto da filha com o chapeuzinho na formatura da creche e a mãe se escondendo para não aparecer na foto inchada de tanto chorar que ocupa local de destaque na bancada de trabalho. A felicidade porque a filha foi classificada em um concurso de redação. Sem falar nas obviedades adolescentes: o scarpin, o vestido de festa, a primeira noite dormindo na casa de uma amiga.

Nos versos finais do poema “Ser Mãe”, Coelho Neto foi preciso ao definir que “ser mãe é andar chorando num sorriso, é ter um mundo e não ter nada, é padecer no paraíso”. Só as mães, independente do CEP, acham tudo isso muito bom e nem se importam com as preocupações, depois que elas passam, é claro. Só as mães, morando no bairro rico ou na periferia, compreendem o valor de um abraço fora de hora. E, algumas mães, foram escolhidas por Deus para cuidarem de pessoas iluminadas. Como eu, uma privilegiada, há 14 anos, com a companhia diária da Gabriela.

Por isso, a composição “O filho que eu quero ter”, de Toquinho e Vinícius de Moraes, que eu cantava desafinadamente para a Gabriela dormir ou desmaiar com a falta de ritmo, encaixa-se neste meu momento. De formatura da Gabriela no Ensino Fundamental, de suas primeiras incursões na vida noturna, de sentir que ela, qualquer dia destes, pode tornar-se independente, e de ver a sobrinha/afilhada Camila preparar uma nova menina em seu ventre. Adaptada ao viés materno: “dorme, minha mãe sem cuidado, dorme que ao entardecer, tua filha sonha acordada, com a filha que ela quer ter”.

(*) márcia fernanda peçanha martins

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