Os heróis que você não vê (*)
O José, sem sobrenome, porque não importa, sobrevive mensalmente à custa de um salário mínimo, com aumento real desde o Governo Lula, mas, ainda, com valor irreal para as necessidades dele, da mulher, empregada diarista, e dos quatro filhos. Mas, seu José vive, alimenta como pode seus rebentos, e não se importa de não ser chamado de heroi. O casebre ocupado ilegalmente e quem sabe até em área de risco jamais será observado pelos milhões e milhões de telespectadores que assistem aos programas da Rede Globo. Talvez, se a casa for arrastada por alguma chuva, ele apareça salvando alguns móveis. E só.
Nem será chamada de heroína a mãe que madruga nas filas do Posto de Saúde tentando conseguir um atendimento medido gratuito, dever do Estado, e me refiro à esfera de poder, para um dos filhos adoentado há meses. Mas, se o filho desta brasileira falecer pela falta ou demora de atendimento em qualquer hospital público onde lhe foi negado abrigo, pode ser que ela ganhe uma nota nos jornais ou um minuto no noticiário da TV. As suas noites sem dormir para cuidar do filho enfermo ou as romarias nas madrugadas nos postos de saúde não são observados pelos brasileiros. Não passa na sua telinha de TV.
E poderia escrever muitos exemplos de herois que fazem a vida do Brasil que você não vê na TV. Mas seria desnecessário porque muito já foi dito, escrito e comentado sobre a inutilidade e futilidade de programas como o BBB, importado pela Globo de algum país e com as devidas adaptações para o público brasileiro, homens e mulheres seminuas, casais fazendo sexo sob os edredons e aulas de ignorância no horário nobre. E alguém até poderá dizer: “mas é só trocar o canal, ninguém é obrigado a assistir”. Com certeza. Só que no mínimo, a TV aberta é uma concessão pública e daí, a conversa então seria interminável.
Palavra de gaúcha que não voltaria no assunto se a minha filha não fosse uma telespectadora (sim, eu falhei, porque nem sempre se consegue passar só coisas boas a nossa prole) do BBB. E, se na noite do paredão de terça-feira, um comentário do Bial não tivesse me afastado do computador onde revisava alguns poemas. O jornalista, de competência profissional reconhecida, discorreu sobre as críticas que vinha recebendo ao tratar os moradores da casa como herois. E usou um único conceito de um dicionário para definir o que é ser heroi, comparando os confinados a um jogador de futebol da Seleção.
Aí não dá prá ser feliz né? No Michaelis, um dos mais modernos dicionários da Língua Portuguesa, nem com outra conotação, como ele sugeriu, as definições chegam perto do que fazem os brothers. Algumas. Homem que se distingue por coragem extraordinária na guerra ou diante de qualquer perigo; elevado a semideus após a morte, pelos serviços prestados à humanidade; que suporta exemplarmente um destino incomum; que arrisca sua vida pelo seu dever ou do próximo; personagem central em uma ação ou evento notável; protagonista de qualquer aventura histórica ou drama real.
Sei não. Acho que fiquei maluca ou ranzinza. Pensar que ouvi de um jornalista sério, um colega de profissão, que os confinados são herois sem que tenham lutado pelo bem coletivo, pela justiça social e pela igualdade entre todos. Ops, mais escondido no Michaelis diz que heroi é o indivíduo que, em determinado momento, atrai a atenção pública. Pelos números da votação da Rede Globo, no paredão da terça-feira (10/fevereiro), foram registrados mais de 30 milhões de votos. Bem, talvez meu partido seja mesmo um coração partido e as ilusões estejam todas perdidas.
(*) márcia fernanda peçanha martins
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2 Comentários:
Marcia.
Meu comentário é o mesmo do Coletiva, acrescentando apenas que os herois do Bial, se não morrerem de overdose, talvez morram de cirrose.
Abraços
Francisco
ótimo teu comentário, aliás, no Coletiva. mas acrescento mais uma hipótese a causa mortis
- overdose?
- cirrose?
- e burrice
abraços
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