A voz enrustida do preconceito (*)
Disposta a espantar a monotonia e todas as suas companhias, depois de um sábado quente e melancólico de faxina no apartamento e na alma, resolvi que o melhor antídoto era a sétima arte. E feliz da vida pela determinação, rumei em direção a um shopping de Porto Alegre para a minha sessão de cinema das 19h e alguns minutos. Na platéia que assistia ao filme “Milk – A voz da igualdade”, que deu ao ator americano Sean Penn o Oscar de melhor ator pela sua excelente e irretocável atuação, todos pareciam, numa primeira e superficial visão panorâmica, despidos do preconceito e da discriminação.
Mas, como as aparências enganam aos que odeiam e aos que amam, a minha impressão inicial perdeu, um pouco, a consistência, com comentários sussurados nos corredores feitos por criaturas que, como epidemias, propagam o preconceito, travestidos de seres engajados política e socialmente. Imagina-se que todos os espectadores conhecessem a história do filme, que retrata a vida particular e política de Harvey Milk, nascido em 22 de maio de 1930, primeiro homossexual assumido eleito para um cargo público na Califórnia, como membro do conselho de supervisores de San Francisco.
Se carregavam algum tipo de preconceito não deveriam escolher este filme ou então aguardar para emitir os seus conceitos errados, ultrapassados e bobagens entre quatro paredes ou ambientes fechados. Não após enxergar como o preconceito mata, mutila e desfigura. Não depois de perceber que, às vezes, atrás de políticos engravatados e de seus eleitores, esconde-se a escória de uma sociedade conservadora e radical. A hipocrisia desta gente deixou escapar que parte considerável da platéia, naquela sessão, era formada de GLS (gays, lésbicas e bissexuais, assumidos ou enrustidos.
Mesmo após Sean Penn, que interpreta Milk (1930-1978), encarnar o ativista gay, assassinado em 1978, com apenas um ano de experiência legislativa oficial, algumas pessoas representavam o preconceito contra os integrantes de núcleos de GLS. E com atuações que também poderiam render o Oscar. Não sei de qual categoria. Ou não compreenderam nada do que viram. Ou não quiseram entender a história. Ou preferem continuar com os olhos cegos. E tomara não tenham filhos para não repassar aos rebentos o germe da injustiça social, sexual, política e tudo o mais.Talvez o Sean Penn tenha razão ao fazer campanha para que o Estado da Califórnia oficialize um dia em homenagem a Milk, apoiando o projeto de lei de um senador. Idéia semelhante já vetada, ano passado, pelo governador Schwarzenegger, alegando que o ativista gay deveria ser honrado apenas em San Francisco e não em todo o Estado. E como pragas são facilmente espalhadas, o dublador de Sean Penn no Brasil, se recusou a fazer a voz do ator no filme. O pastor evangélico Marco Ribeiro disse que não quer sua voz envolvida com outras questões, assim como não faz determinados comerciais.
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