Criança tem cada uma
Nós, os adultos que empilhamos “tijolo por tijolo num desenho lógico, com os olhos embotados de cimento e tráfego”, na tentativa de ajudar a construir um mundo melhor para as crianças de hoje e do futuro, deveríamos, de vez em quando, ouvir a voz sumida da criança que se escondeu no nosso passado. Talvez, a gente conseguisse amenizar as agruras do mundo atual, ser mais complacentes com o próximo ou até evitar a crônica de uma morte anunciada. Simples. Porque criança tem cada uma que nos deixa atônitos. Experimente deixar uma criança sem uma resposta embasada e argumentada. Ninguém consegue.
Tente dizer, por exemplo, para uma criança de sete anos que ela não pode subir naquele armário para pegar um brinquedo lá no alto só porque não pode. Tá maluco? Uma resposta totalmente insatisfatória e que não vai sossegar o pequeno ser. “Ah, mãe, mas eu quero, mas eu quero, vou subir”, suplica reiteradas vezes a fala mansa, mas persistente da criança. E antes que o apressado rotule o menino ou menina insistente de mimado ou mimada, adianto que não se trata de um pequeno rebelde sem ter com que se revoltar. Basta contar que é perigoso, que pode cair, que é arriscado e pode machucar. E pronto.
Com certeza, a criança ficará satisfeita e deixará de insistir, pelo menos nesta travessura. Ai, não me olhe assim como se eu tivesse descoberto a fórmula mágica do amor e ainda por cima repassando para o povo que lê o site (ou meus cinco ou seis leitor nautas???). Por favor. Não sou mestre em auto-ajuda (odeio isso!), não tenho pós em pedagogia e nem PhD em negociações sentimentais. Sou péssima nisso. Faço chantagem, choro, me escabelo. Um desastre!
Nos meus 13 anos e alguns meses de convivência diária com a Gabriela Martins Trezzi, minha filha, sem contar o tempo do relacionamento intra-uterino que foi muito intenso, aprendi tantas coisas que hoje me fazem refletir melhor e até repensar “pequenas maldades”. Ela me ensinou, por exemplo, a olhar para a vida com certa dose de paciência que nunca tive. Ela me contou, também, que tudo pode ser mais colorido se a gente colocar mais matizes no nosso pensamento. Ela me conduziu, sem saber o que fazia para caminhos menos espinhosos, sem cortar as rosas que se espalhavam no nosso trajeto.
E, claro, que eu jamais lhe responda algo com uma negativa. “Porque não, não é resposta mãe. Tem que explicar o motivo”, ela ensinou-me. Em várias etapas de sua vida, ela bateu pé e exigiu argumentos. Até que aprendi (creio). E utilizo a mesma estratégia quando exijo as suas respostas para as primeiras inquietações de adolescente. Mas, entendo que o principal ensinamento, renovado a cada dia, é o do amor incondicional, da confiança, do respeito, do carinho, da cumplicidade.
Por essas e outras é que sugiro, sempre que possível, que o adulto permita uma visita inesperada da criança que lhe habita o passado. Não é um ato fácil, mas confortante e corajoso. E não dói nada. Podem confiar. Dói menos do que perder uma criança no parque. Dói menos do que esquecer o filho dentro do seu próprio carro estacionado em algum shopping. Dói infinitamente menos do que não ter mais aquele olhar de interrogação lhe questionando tudo. Dói menos do que a perda de um filho. Dói menos do que saber que seu filho (a) foi asfixiado, sufocado e maltratado até a morte, tombado num jardim de um condomínio.
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