Blog da Marcinha

Ao postar emoções, medos, sensações e utopias aqui, através de fotos, pensamentos, crônicas, artigos e poesias, entrego a vocês um pedaço enorme do meu coração, por vezes ferido, outras alerta ou contente. Use com moderação!

14 março, 2009

Eu não tou legal (*)

Cenas do cotidiano protagonizadas por diferentes pessoas, em pleno século XXI, nestes dias de março, que deverá fechar o verão com promessas de vida no meu coração, enriqueceram de felicidade a minha mente e coração. Mas, também, impregnaram de ceticismo a minha razão e emoção. Será que tudo que fizemos foi em vão? Será que ainda estamos longe, como cidadãos, de decidir o destino de nossas próprias vidas? Será que ainda precisaremos queimar sutiãs e cuecas em praças públicas? Será que não é só a mulher, por sangrar todo o mês, o único bicho esquisito deste planeta?
São perguntas que não calam e se acumulam porque as respostas que seriam acalentadoras sofrem todo o dia algum contratempo. E sempre que isto ocorre, parece que começamos do zero, do século passado. Numa comparação simplista é como se voltássemos a engatinhar depois de dirigir automóveis por aí. Lembrei de “Eduardo e Mônica”, música de Renato Russo e sua Legião Urbana, e sinto que habito um “mundo estranho, com gente esquisita, eu não tou legal, não agüento mais birita”.
No sábado à tarde, três amigas com mais de 40 anos e decididas na suas vidas profissional e particular, reunidas no apartamento de uma delas, debatiam com argumentos quentes e convincentes o que é uma mulher feliz nos dias de 2009. Se é preciso casar cedo e ter uma prole imensa de filhos ou não tê-los? E aí, como sabê-los, já dizia o mestre Vinícius de Moraes. Se é melhor não casar e viver intensamente sem falsas mentiras ou ainda acreditar naquele sapo que se transformará no príncipe encantado? Fala sério! E quem sabe, apostar todas na carreira (profissional) e o resto que aconteça?
Márcia, inquieta sempre rebelde (eu posso me acusar), e suas amigas desconhecem as respostas. Misturando palpites, refrigerante e o Best totozinho, elas perguntam “quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração”. E, pasmem. Os nossos pais também não tinham as respostas. Mas pela liberdade de pensamento imposta na época, conviviam com rótulos que lhes satisfaziam. A “solteirona” não casava e encalhava porque não tinha dotes visíveis muito favoráveis. A que não engravidava tinha o útero seco, imaginem! Melhor nem dizer o que falavam da mulher que trabalhava fora.
As amigas tentaram revolucionar os seus lares até que o marido da anfitriã chegou todo faceiro do estádio com a vitória do Inter. As duas gremistas resolveram vazar. Sabem como é, antes que rolasse aquela flauta conhecida. No jornal da noite, Márcia se irrita profundamente ao ouvir as explicações dos bispos e arcebispos para justificar a excomunhão, penalidade máxima da Igreja Católica, aplicada às pessoas envolvidas no aborto da menina de nove anos, violentada pelo padrasto em Pernambuco. E chora muito ao pensar na criança barriguda carregando filhos gerados num ato tão brutal.
No domingo, enquanto a filha passeava com suas amigas no Brique, Márcia arrumou toda a casa, trocou a comida dos cachorros (sim, eu quero sarna para me coçar e agora além do Dalai tenho o Gandhi), atualizou a lista do chá de fralda da Camila, sobrinha barriguda de 21 anos que vai parir Lohana, adiantou o almoço, refez a tintura no cabelo para disfarçar os brancos. E se banhou ao som da Maria Rita, cantando “minha força não é bruta, não sou freira nem sou puta, porque nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda, meu peito não é de silicone, sou mais macho que muito homem”.
Surpreendida com a chegada de minha filha Gabriela do Brique, com uma amiga cuja mãe não apareceu para buscá-la, usei de toda minha inabilidade culinária para aumentar a comida. Enquanto esperava o tal angu ficar pronto, recebi um telefonema de uma integrante da Confraria de Brasília, desejando-me “Feliz Dia Internacional da Mulher”. Só aquela gringa para tal mimo, pensei. E não parei de rir, gargalhar, sei lá se de prazer, alegria, tristeza ou choque de realidade, o resto da tarde. Quer dizer, até a nova derrota do Imortal Tricolor.

(*) márcia fernanda peçanha martins

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