Nem sempre permiti que esta estação entrasse com tanta tranquilidade nos meus dias. Até com as variações climáticas, desenvolvi uma certa rebeldia. É algo que me persegue. Na infância, recordo vagamente que não suportava muito bem a presença da primavera por razões explícitas de saúde. Alergicamente falando, a chamada estação das flores adoecia frequentemente a minha irmã mais velha com a sua asma e me debilitava com os ataques de rinite. Na adolescência, a primavera acenava com uma certa liberdade de horários de lazer e os ensaios de um corpo mais à mostra. Tudo regulado pelos pais, o que impedia o amor maior.
Na época da formação da Saudosa Maloca, nome carinhoso da turma da faculdade de Comunicação Social da PUCRS, a primavera trazia a promessa de festas e encontros dos maloqueiros. Muitas vezes, eventos planejados no pátio da Famecos, adornados pelo sol que nos esquentava e pela troca de olhares com os guris das Engenharias. E, finalmente, ao começar a vida profissional, inicia-se um flerte mais promissor com a primavera. Talvez pela escassez de momentos livres para aproveitar o sol, pela saudade de descascar laranja debaixo de uma árvore e de caminhar em volta da Redenção.
Depois, inexperiente, deixei que um inverno tempestuoso e úmido, com raios e dias fechados, espantasse, durante muitas estações, a primavera da minha vida. De nada adiantava as árvores florescerem, nem as flores embelezarem o interior de outras pessoas, nem os dias ficarem mais longos. Apesar do reflorescimento da flora e da fauna, meu coração estava congelado, alheio ao bater das asas dos pássaros e às pequenas borboletas brancas e amarelas que tomavam o espaço.
Mas, como já disse Cecília Meireles, é certo que a primavera chega. “É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da perpetuação”. E, reencontrei, definitivamente, a primavera, quando preparei meu ventre para hospedar a minha filha Gabriela. E, desde então, fiquei pronta para receber a estação. E vivemos harmonicamente. Passei a prestar atenção ao murmúrio dos passarinhos novos, ao azul do céu, ao movimento das árvores, ao cheiro das flores e os sentimentos que carregam com elas. E, assim como Cecília, aprendi com a primavera, a deixar-me cortar e voltar sempre inteira.
(*) márcia fernanda peçanha martins, publicado originalmente no coletiva.net