Blog da Marcinha

Ao postar emoções, medos, sensações e utopias aqui, através de fotos, pensamentos, crônicas, artigos e poesias, entrego a vocês um pedaço enorme do meu coração, por vezes ferido, outras alerta ou contente. Use com moderação!

24 outubro, 2009

Ponto Final (*)


Vem até a minha casa
Despojado
De qualquer temor
Eu te recebo com calma
Acomoda-te no sofá
Sossegado
Deixa passar o calor
Eu escutarei a tua alma

Brinca com o cachorro
Impertinente
Enquanto faço café
E sirvo com amanteigados
É preciso usar a palavra
Convincente
Como se fizesse cafuné
Nos teus cabelos cacheados

Nada mais temos a doar
É ponto final
De um romance colorido
E hoje totalmente desbotado
Não te desejo mais nada
Segue o sinal
Não precisa ficar abatido
Sei absorver um caso acabado

(*) márcia fernanda peçanha martins

Marcadores:

13 outubro, 2009

Estratégia de saída (*)

Arranca de mim
este teu cheiro
este teu corpo
não te quero assim
tira da minha sala
este teu livro
este teu retrato
ajeita tudo na mala
esvazia o roupeiro
não deixa meia
leva as camisetas
retira-te inteiro
limpa o armarinho
da cozinha, do banheiro
não deixa vestígios
é o único caminho
beberei algumas doses
vagarei pela noite
aumentarei o Lexotan
mas nada de overdoses
basta a eternidade
que segui tuas vozes
respirei pela metade
e fui só infelicidade

(*) márcia fernanda peçanha martins

Marcadores:

Primavera na minha vida (*)

A primavera, especialmente nos últimos anos, não bate mais à porta da minha humilde residência. De forma abusada e íntima, invade os aposentos cobertos e encasacados da minha alma e da minha vida. Como nova inquilina, ela expulsa cheia de razão a escuridão do inverno, o pó acumulado das janelas não abertas, o medo do frio lá fora. E vivemos, durante o seu tempo anual nesta parte do hemisfério, uma história de amor e encantamento, como deveriam ser todas as relações. Perfumadas pelo respeito, enfeitadas pelo colorido e duradouras o tempo necessário para florescer a sedução e a paixão.

Nem sempre permiti que esta estação entrasse com tanta tranquilidade nos meus dias. Até com as variações climáticas, desenvolvi uma certa rebeldia. É algo que me persegue. Na infância, recordo vagamente que não suportava muito bem a presença da primavera por razões explícitas de saúde. Alergicamente falando, a chamada estação das flores adoecia frequentemente a minha irmã mais velha com a sua asma e me debilitava com os ataques de rinite. Na adolescência, a primavera acenava com uma certa liberdade de horários de lazer e os ensaios de um corpo mais à mostra. Tudo regulado pelos pais, o que impedia o amor maior.

Na época da formação da Saudosa Maloca, nome carinhoso da turma da faculdade de Comunicação Social da PUCRS, a primavera trazia a promessa de festas e encontros dos maloqueiros. Muitas vezes, eventos planejados no pátio da Famecos, adornados pelo sol que nos esquentava e pela troca de olhares com os guris das Engenharias. E, finalmente, ao começar a vida profissional, inicia-se um flerte mais promissor com a primavera. Talvez pela escassez de momentos livres para aproveitar o sol, pela saudade de descascar laranja debaixo de uma árvore e de caminhar em volta da Redenção.

Depois, inexperiente, deixei que um inverno tempestuoso e úmido, com raios e dias fechados, espantasse, durante muitas estações, a primavera da minha vida. De nada adiantava as árvores florescerem, nem as flores embelezarem o interior de outras pessoas, nem os dias ficarem mais longos. Apesar do reflorescimento da flora e da fauna, meu coração estava congelado, alheio ao bater das asas dos pássaros e às pequenas borboletas brancas e amarelas que tomavam o espaço.

Mas, como já disse Cecília Meireles, é certo que a primavera chega. “É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da perpetuação”. E, reencontrei, definitivamente, a primavera, quando preparei meu ventre para hospedar a minha filha Gabriela. E, desde então, fiquei pronta para receber a estação. E vivemos harmonicamente. Passei a prestar atenção ao murmúrio dos passarinhos novos, ao azul do céu, ao movimento das árvores, ao cheiro das flores e os sentimentos que carregam com elas. E, assim como Cecília, aprendi com a primavera, a deixar-me cortar e voltar sempre inteira.
(*) márcia fernanda peçanha martins, publicado originalmente no coletiva.net

Marcadores: