Blog da Marcinha

Ao postar emoções, medos, sensações e utopias aqui, através de fotos, pensamentos, crônicas, artigos e poesias, entrego a vocês um pedaço enorme do meu coração, por vezes ferido, outras alerta ou contente. Use com moderação!

30 março, 2008

A criança da imaginação

A criança que eu fui hoje adormece.
Serena, tranqüila e sem sobressaltos.
Vez em quando, sapeca, ela aparece
e faz uma bagunça no meu cotidiano.

Pequena, rodopia sob meus segredos.
Atrevida, expõe meu lado mais insano.
Entra nos armários e desengaveta medos
e remexe sem nenhuma dó nas cicatrizes.

Descoberta, ela esconde-se pelos cantos.
Veste-se de roupas de diversas matizes.
E, se lhe enfrento, a menina cai em prantos.
Como se ainda fizesse parte daquele mundo.

À noite, ela passeia nos meus sonhos faceira.
Sem permitir que meu sono seja profundo.
E, como se me revelasse um segredo sorrateiro.
Fecha a porta da minha imaginação pueril.

márcia fernanda peçanha martins

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29 março, 2008

Poema do Contra

Decidi que não vou mais amar
o sol que se derrete na areia quente.
Nem me interessa se vou gostar
do vento que derruba tudo a sua frente.
E menos ainda optei por não falar
sobre as flores, o mar e o poente.
Serei, a partir de agora, diferente.
Para que amar e escrever sobre a beleza,
se tudo que é repugnante e repelente,
transforma o viés suave em aspereza.
E o que transtorna e mata tanta gente,
sufoca o lúdico, o alegre, a pureza.
Seguirei o rumo sozinha. Uma andarilha.
Viajarei sem sair do lugar. Uma demente.
Amaldiçoarei o amor. Uma guerrilha.
Lançarei pedras nas árvores. Uma doente.
Debocharei das utopias. Uma armadilha.
Desafiarei a vida. A morte. Uma inconseqüente.

márcia fernanda peçanha martins

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27 março, 2008

Uma jovem senhora de 236 anos (*)

Desde que nasci perambulo dia e noite pelas ruas de um Porto nem sempre Alegre, “mas que no entanto, me traz encantos”. E são tantos. Em todos os cantos. Se ousar enumerá-los, posso, tranqüilamente, esquecer algum. Não escolhi Porto Alegre. A cidade do porto dos casais é que me escolheu. Foi amor à primeira e à ultima vista. Sim, porque mesmo sendo natural de Porto Alegre, já fui tentada em várias oportunidades com oferta de emprego fora da cidade. Nem pensar. Daqui eu não saio. Daqui ninguém me tira. Não me afasto da minha terrinha e gosto demais do tamanho da urbanidade que ela representa. E, também, porque pretendo morrer (calma, nada de soltar foguetes) e continuar enterrando meus medos na capital gaúcha.
A minha cidade coleciona segredos de beleza e dicas de rejuvenescimento, como todo ser feminino. Ela não é tão egoísta, ao contrário de algumas mulheres, e divide uns truques com seus habitantes. Para não se deixar abater pela osteoporose, Porto Alegre, vira e mexe, recebe obras de drenagem, troca de encanamento e pintura nova ou reparo no asfalto que recebe nossos carros e pés. Vaidosa, permite que os administradores executem algumas plásticas no seu visual para disfarçar as rugas, expostas nos prédios tombados pelo patrimônio, ou para remover algumas cicatrizes, desenhadas pelos grafiteiros nos viadutos, ou para secar suas lágrimas que desaguam sobre um rio, que sempre foi chamado assim, mas é o Lago Guaíba.
Misteriosa e sedutora, a capital dos pampas convive com sentimentos contraditórios. Tem uma rua da Praia, que assina rua dos Andradas, mas todos a conhecem pelo apelido. E um muro de extensão significativa que impede que as águas percorram as ruas centrais da cidade, como ocorreu na enchente de 1941. Se apresenta uma senhora moderna, mas guarda nos seus museus e prédios históricos, peças e páginas de um passado pretérito que, às vezes, lhe traz saudade. Ousada, não recusa a visita permanente de empreendedores de shoppings centers, multinacionais e líderes religiosos, como o Papa João Paulo II. Exigente, gosta que seus parques e praças estejam sempre floridos e com sombra para acolher os moradores da cidade.
Nem todos os dias do mês são sossegados para a minha cidade. Ela também, vez ou outra, é acometida de TPM. Afinal, é uma mulher. Porto Alegre sofre de Tensão Pré-Madrugada, quando teme pela morte de seus filhos nos acidentes do trânsito maluco de suas vias e avenidas. Passa pela Tensão Pré-Mal-Humorada sempre que algum político vislumbra uma obra faraônica para torná-la disforme. A capital gaúcha enfrenta a Tensão Pré-Mistura toda vez que os eternos rivais Grêmio e Internacional precisam se encontrar nos estádios. A cidade também tem seus pitis. Com certa freqüência. Quando assaltam, matam, seqüestram e maltratam seus habitantes. Ou se falta educação, alimentos e saúde para os seus moradores.
Essa mulher que comemora seus 236 anos e não esconde a idade, não é uma velha senhora sem vontade, sem desejo e sem tesão (não que as velhas senhoras sejam assim, por favor me entendam). A minha cidade é fogosa, esplendorosa e poderosa. Não tem medo de se olhar no espelho d'água da Redenção, onde passeiam crianças, jovens, adultos e idosos. Nem hesita ao abrir seus parques e escancarar uma ruga embaixo do braço (aquela do abano que não permite esconder a idade) para acarinhar os esportistas que caminham no Moinhos de Vento. Ou oferecer mesas para os intelectuais e jovens executivos que discutem o futuro nas mesas da Padre Chagas e suas ruas vizinhas. Ou colocar barzinhos espalhados nas vias do Bonfim e Cidade Baixa.
Veste-se de inverno para animar a população a tirar dos armários seus sobretudos e os casacos e caminhar pelas ruas da cidade, acalmando o frio sob os cachecóis. Desnuda-se no verão para aplacar o suador daqueles insistentes que não lhe abandonam rumo às praias do litoral sul e catarinense. À tardinha, partes de sua paisagem se envergonham e se escondem, produzindo o pôr-do-sol mais lindo que se conhece. Às vezes, reúne idéias de liberdade quando é sede do Fórum Social Mundial. Concentra os opostos na Esquina Democrática em época de eleição, solta seus cheiros no Mercado Público, ouve a voz do poeta na Casa de Cultura Mário Quintana, desafia a segurança nos degraus do Viaduto Otávio Rocha. E, hoje, dia 26 de março, ainda não decidiu em qual das maravilhosas confeitarias vai assoprar as velinhas e ouvir o “Parabéns à Você".

(*) marcia fernanda peçanha martins (publicada originalmente no www.coletiva.net)

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