Houve uma vez um carnaval na minha vida em que vesti uma fantasia de palhaça. Macacão bufante e colorido, chapéu triangular com pompom vermelho e um sorriso largo e branco pintado, que mal cabia no rosto de criança. Não foi no carnaval que passou. O traje, hoje desenhado apenas na memória, me cobriu num carnaval da minha infância distante, antes dos 10 anos, quando os dias ainda eram de imaginação fértil, as gargalhadas ecoavam fácil no salão e na minha casa e os motivos de alegria sempre duravam mais do que as quatro noites de folia. Não lembro, exatamente, quando a fantasia deixou de servir.
Depois, usei uma roupa imitando a Pedrita Flintstone, filha do Fred e da Wilma, bebê típico da Idade da Pedra, e como no desenho animado, alheia a tudo que a tecnologia do mundo poderia oferecer. No carnaval em que atendia por Pedrita, desfilando um vestido tigrado de um ombro só, o cabelo amarrado no alto e preso por um osso, cantava a certeza que todos os caminhos desembocavam na porta da felicidade. A mesma ingenuidade que me vestia e me cegava para as facilidades do mundo moderno me fez acreditar no amor eterno. Como Pedrita, que adulta casou com o seu primeiro amor, Bambam Rubble.
No início da adolescência, etapa em que tudo é permitido, eu chefiava uma animada galera de meninas que pensavam vencer todas as guerras. Foi num carnaval em que pulava nos bailes fantasiada de Pirata da Perna de Pau. O olho tapado com parte de uma máscara preta dava o aspecto de muito, mas muito mau, como Braguinha compôs na sua música, sucesso de carnavais antigos e atuais. A roupita de Pirata da Perna de Pau ficou inadequada quando eu comecei a sofrer as primeiras desilusões na vida particular e profissional. Eu já não vencia tudo.
As águas rolaram e garrafa cheia eu não vi sobrar nos carnavais da passarela da minha vida. Entre mil palhaços no salão, Arlequim chorando no meio da multidão, máscaras, piratas, melindrosas, odaliscas que pediam passagem e deixavam de ser interessantes conforme mudava o samba enredo dos anos, fui perdendo as fantasias. Algumas pelas diferenças no corpo, outras pelo choque de realidade ou pelo mofo que se acumula no baú das memórias sempre que ele não é remexido.
No carnaval de 2010, levanto a bandeira branca e espero mais do que a paz cantada em verso e prosa. Desejo que meus familiares, amigos e afetos abram alas para o bloco do amor que não se perdeu nos carnavais; que batam palmas para os esquecidos da sorte que não desafinam na esperança; que enxerguem mais do que um pequenino grão de areia e que escrevam um novo fim para o triângulo amoroso de Colombina, Pierrot e Arlequim. Duvido que a ternura seja só uma fantasia de carnaval para se acabar na quarta-feira de cinzas.
(*) márcia fernanda peçanha martins Marcadores: Colunas