Blog da Marcinha

Ao postar emoções, medos, sensações e utopias aqui, através de fotos, pensamentos, crônicas, artigos e poesias, entrego a vocês um pedaço enorme do meu coração, por vezes ferido, outras alerta ou contente. Use com moderação!

25 maio, 2010

Talvez tudo ainda (*)

Talvez tudo ainda
seja recente,
e a dor latente,
desesperadamente.

E se a ferida vinda
fica ardente,
e corta saliente,
muito amargamente.

Melhor toda linda,
ela nem sente,
e não entende,
passa suavemente

(*) márcia fernanda peçanha martins

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E a poesia fez moradia (*)



Perde as melhores oportunidades de cultura, lazer e descontração quem descarta logo uma reunião de poetas com o pretexto de tratar-se de papo cabeça (leia-se chato) e declamação de poemas, sempre os mais famosos. Se chegar a sua caixa de email um convite para um encontro de poetas lá onde o diabo perdeu as botas e nunca mais foi procurar, pense melhor antes de recusar. Num ato rebelde de um dedo desconfiado e habituado a deletar emails para vários destinatários, você poderá perder uma chance de ouvir poemas tradicionais, de rimas livres, performances amadoras e até mesmo profissionais.

Faz tempo que reunião de poetas não corresponde mais àqueles retratos antigos dos séculos passados, emoldurados com pianos, músicas clássicas, moças com vestidos que se arrastavam no chão e escondiam a liberdade e casamentos arrumados pelas famílias. Hoje, os encontros de poetas são saraus dinâmicos, com informalidade, sem roupas engomadas e obrigações contratuais. Fala quem quer, declama quem sabe, escreve quem gosta e tem inspiração. E a música é sempre um toque especial que funciona como um antídoto para o público impaciente e até já turbinado pela bebida alcoólica.

Na bucólica Paquetá, bairro esquecido do Rio de Janeiro, que continua cada dia mais lindo, apesar de tudo, a poesia entrou sem pedir licença para o início das comemorações dos quatro anos da comunidade do Orkut “Poemas à Flor da Pele”, em 10 de abril. E encantou-se com a ilha. E enamorou-se da ilha. E jurou amor eterno à ilha. Impossível caminhar pelas ruas sem asfalto de Paquetá e não pensar em poesia. É inviável olhar os horizontes de Paquetá e não imaginar uma rima perfeita. Inadmissível admirar as garças brancas e esbeltas que desfilam em Paquetá e não escrever versos.

Se os encontros de poetas podem surpreender os desavisados, imagine se eles tiverem como palco Paquetá? Tudo parece um sonho do qual não se quer acordar de tão perfeito. Algo me diz que Manuel Bandeira pensava em Paquetá quando escreveu “Vou-me embora pra Pasárgada”. Pois lá, na ilha carioca, é outra civilização. Em Paquetá se é feliz, onde a existência é uma aventura de tal modo inconseqüente que é possível andar de bicicleta (aliás, o táxi é uma bicicleta), passear de charretes, tomar banhos limpos e em temperatura ambiente, caminhar à noite pelas ruas escuras sem nenhuma insegurança. Lá, se é amigo do rei.

Somente em Paquetá, um morador da ilha se junta aos poetas com seu violão e resolve cantarolar, sem compromisso, algumas canções de sua autoria. E diz que se alguém ali da roda conhecer um pedaço de alguma, pode ajudar no refrão. Afinado, começa “rumo, estrada turva, sou despedida, por entre lenços brancos de partida, em cada curva, sem ter você vou mais só”. Unindo-se em tons melódicos desafinados, os poetas cantam Teletema, Sá Marina, BR-3, Juliana e Ana Cristina. Todas, sucessos da música brasileira nos anos 60 e 70, do poeta, compositor, radialista, diretor e produtor musical Tibério Gaspar, que escolheu Paquetá para viver. Porque lá a poesia fez moradia na roseira que se abre em flor.


(*) márcia fernanda peçanha martins

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Carinhos (*)


Derruba teu rosto
delicadamente
carinhosamente
sobre meu colo
Nem todo desgosto
da traição feita
da dor suspeita
impedirá o consolo
Ainda irei te acolher
mansamente
suavemente
amando
à flor da pele


(*) márcia fernanda peçanha martins

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24 maio, 2010

Cada uma que me acontece (*)


Quando a gente imagina que nada mais nos espanta e tem a impressão de que nada mais irá nos surpreender na vida, um episódio especial e inusitado vem e nos arranca o chão. Antes de relatar o que me desnorteou, no início do mês, preciso informar-lhes que não sou preconceituosa, nem racista e respeito todas as diversidades, sejam econômicas, sexuais, raciais e de outros ais. Já que estou sendo totalmente sincera com vocês, devo admitir publicamente que sou muito radical e fanática na vida política. De resto, acho que sou perfeitamente normal, se é que isto é possível e até que provem o contrário.
Dentro da minha suposta normalidade, num dia como outro qualquer, ou melhor, absolutamente tranquilo para uma tarde de sábado, em Porto Alegre, numa rua exageradamente movimentada, na frente de um shopping da cidade, fui ultrajada, ofendida, xingada por um mendigo (perdão, não conheço outro termo que se encaixe aqui e seja politicamente correto). Nunca ouvi, juro por tudo que é mais sagrado, tanta maldição junta saindo da boca de uma única pessoa. Nem eu pensava que existia tanta palavra de desaforo na Língua Portuguesa. E menos ainda que um morador de rua conhecesse amplo vocabulário.
Tudo porque eu desci correndo do táxi que iria prosseguir o trajeto e deixar a minha mãe na sua casa, depois de um almoço patrocinado por ela, e fiz menção de entrar no shopping que anunciava uma mega liquidação. Interpelada pelo cidadão da rua, que não aparentava motivo visível para não trabalhar e ter que mendigar, exceto a crise econômica e blá, blá, blá, cometi o crime de não ter um trocado disponível para contribuir com o mendigo. E educadamente dizer a ele que não tinha dinheiro. Porque poderia, como fazem muitos, deixá-lo falando sozinho com a mão estendida.
Dizer que não tinha dinheiro para dar aos outros e direcionar os meus passos para o shopping foi o erro. O morador de rua passou a me destratar com palavras de baixo calão, ofender toda a minha geração de antepassados desta encarnação e das outras, jogar uma maldição para que eu nunca tenha dinheiro. E, contrariado com a minha declarada intenção de entrar no shopping, apesar da inconformidade dele, passou a gritar para todos ouvirem: “o que vai fazer então no shopping, se é pobre, se não tem dinheiro, se não pode me dar uma esmola”?
Dentro do shopping, mais calma e livre do assédio raivoso do cidadão, raspei no caixa eletrônico do banco o resto do crédito do cheque especial, quase estourando o limite, e comprei poucos itens alimentares para sobreviver no supermercado, controlada pelo saldo do cartão e pelo medo da possível figura do mendigo na saída do estabelecimento. Após os xingamentos do homem na rua, por dias carreguei a culpa de não ter algum dinheiro a ser raspado no banco para dividir, o ônus de ter rendimentos mensais fixos, a marca de empregada na carteira de trabalho.
Mas, como a lógica da fome e da necessidade não conhece os limites da privacidade de cada um e ignora o teor do meu orçamento doméstico, tento fazer com que a atitude do homem não interfira na minha capacidade de compreender os desequilíbrios econômicos. Com medo de ouvir desaforos por ter tão pouco, eu ainda deixo moedinhas nas cestas dos índios na Rua dos Andradas, para o mendigo gay que mora na esquina da minha casa e outros pelas calçadas de Porto Alegre.
(*) márcia fernanda peçanha martins

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