Perde as melhores oportunidades de cultura, lazer e descontração quem descarta logo uma reunião de poetas com o pretexto de tratar-se de papo cabeça (leia-se chato) e declamação de poemas, sempre os mais famosos. Se chegar a sua caixa de email um convite para um encontro de poetas lá onde o diabo perdeu as botas e nunca mais foi procurar, pense melhor antes de recusar. Num ato rebelde de um dedo desconfiado e habituado a deletar emails para vários destinatários, você poderá perder uma chance de ouvir poemas tradicionais, de rimas livres, performances amadoras e até mesmo profissionais.
Faz tempo que reunião de poetas não corresponde mais àqueles retratos antigos dos séculos passados, emoldurados com pianos, músicas clássicas, moças com vestidos que se arrastavam no chão e escondiam a liberdade e casamentos arrumados pelas famílias. Hoje, os encontros de poetas são saraus dinâmicos, com informalidade, sem roupas engomadas e obrigações contratuais. Fala quem quer, declama quem sabe, escreve quem gosta e tem inspiração. E a música é sempre um toque especial que funciona como um antídoto para o público impaciente e até já turbinado pela bebida alcoólica.
Na bucólica Paquetá, bairro esquecido do Rio de Janeiro, que continua cada dia mais lindo, apesar de tudo, a poesia entrou sem pedir licença para o início das comemorações dos quatro anos da comunidade do Orkut “Poemas à Flor da Pele”, em 10 de abril. E encantou-se com a ilha. E enamorou-se da ilha. E jurou amor eterno à ilha. Impossível caminhar pelas ruas sem asfalto de Paquetá e não pensar em poesia. É inviável olhar os horizontes de Paquetá e não imaginar uma rima perfeita. Inadmissível admirar as garças brancas e esbeltas que desfilam em Paquetá e não escrever versos.
Se os encontros de poetas podem surpreender os desavisados, imagine se eles tiverem como palco Paquetá? Tudo parece um sonho do qual não se quer acordar de tão perfeito. Algo me diz que Manuel Bandeira pensava em Paquetá quando escreveu “Vou-me embora pra Pasárgada”. Pois lá, na ilha carioca, é outra civilização. Em Paquetá se é feliz, onde a existência é uma aventura de tal modo inconseqüente que é possível andar de bicicleta (aliás, o táxi é uma bicicleta), passear de charretes, tomar banhos limpos e em temperatura ambiente, caminhar à noite pelas ruas escuras sem nenhuma insegurança. Lá, se é amigo do rei.
Somente em Paquetá, um morador da ilha se junta aos poetas com seu violão e resolve cantarolar, sem compromisso, algumas canções de sua autoria. E diz que se alguém ali da roda conhecer um pedaço de alguma, pode ajudar no refrão. Afinado, começa “rumo, estrada turva, sou despedida, por entre lenços brancos de partida, em cada curva, sem ter você vou mais só”. Unindo-se em tons melódicos desafinados, os poetas cantam Teletema, Sá Marina, BR-3, Juliana e Ana Cristina. Todas, sucessos da música brasileira nos anos 60 e 70, do poeta, compositor, radialista, diretor e produtor musical Tibério Gaspar, que escolheu Paquetá para viver. Porque lá a poesia fez moradia na roseira que se abre em flor.
(*) márcia fernanda peçanha martins
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