O poeta Coelho Neto (1864-1934), um dos fundadores
da Academia Brasileira de Letras, é autor de mais de 100 livros e 650 contos.
Mas, apesar de ter sido consagrado “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”, em
1928, é conhecido nacionalmente, até hoje, pelo soneto intitulado “Ser Mãe”. Na
referida obra, ele discorre com precisão e palavras rebuscadas sobre o ofício
materno e encerra com a frase famosa que toda mãe já deve ter balbuciado um
dia: “ser mãe é padecer num paraíso”.
Não lembro a minha idade precisa - suponho que não
mais do que 12 - quando li, pela primeira vez, o soneto do Coelho Neto. Minha
mãe tinha um álbum de recordações de capa dura marrom e uma colega sua
reproduziu nas páginas já amareladas as estrofes sobre ser mãe. Achei o poema
bonito. Por não ser ainda, naquela época, uma amante de poesias, fiquei mais
encantada com o álbum, que ganhei dos meus pais no aniversário de 13 anos. O
tal álbum de recordação era um livro com bom acabamento final e folhas internas
pautadas (com linhas) onde os colegas e amigos deveriam escrever algo para
ficar de lembrança pelo resto de nossas vidas.
Sempre me considerei uma filha boa. Não dava muitas
preocupações para a minha mãe. Nem lhe enchia a cabeça de problemas. Ajudava
com as tarefas domésticas. Tomava chá da tarde com ela. Apresentava um
desempenho normal nos estudos. Vez em quando lhe confidenciava alguma
travessura ou uma pequena paixonite. Acho que fui uma filha normal, sem ter com
o que me rebelar. Apesar disso, era comum ouvir de minha mãe, quando resolvia
alguma encrenca comigo ou com os irmãos, algo como “ser mãe é desdobrar fibra
por fibra o coração... ser mãe é ser um anjo que se libra sobre um berço
dormindo...”.
No último mês de 1994, depois de ver nascer a minha
filha Gabriela (hoje com seus 17 anos), passei a entender completamente os
sentidos daquelas estrofes tão melosas. Desde então, compreendo perfeitamente
que ser mãe é andar chorando num sorriso e que ser mãe é ter um mundo e não ter
nada. Cada vitória da Gabriela lembra-me uma estrofe. Cada noite mal dormida,
na infância pelas doenças febris ou atualmente enquanto a aguardo voltar de alguma
festa, lembra-me uma estrofe. Cada pequeno atraso no retorno do colégio e hoje
da faculdade lembra-me uma estrofe. Cada briga (como existe esta alternativa na
tal da adolescência) e cada carinho de recomeço lembra-me uma estrofe.
Pode o filho engatinhar, ter 11 anos ou já
emancipado, que a preocupação materna é sempre a mesma. O discurso parece que
sai igual dos lábios de todas as mães - guriazinhas, maduras, de primeira
viagem, de outros países. Quando engatinha, o discurso vira um gesto frenético
de proteger as quinas, afastar os tapetes, tirar as cadeiras da frente. Mais
tarde, as mães insistem para que os filhos peguem um casaquinho porque o tempo
“parece que vai virar”. E na hora em que a mãe quer se mostrar totalmente
inserida no mundo atual e ser moderninha e propõe para o rebento um “papo
aberto” sobre sexo. E os filhos fazem aquela cara de enfadonho? É tudo igual.
Só muda mesmo o endereço.
Será a primeira vez que passarei a data comemorativa
a estas criaturas inspiradoras de poetas sem a presença física da minha mãe,
que faleceu em julho do ano passado. E já me debulho em lágrimas só de ver as
propagandas sobre o dia na televisão. E tenho evitado ler no face ou no Orkut
as mensagens que me encaminham sobre a data. Sinto-me uma legítima manteiga derretida
(e quem não conhece este termo?). Com uma saudade doída da minha mãe, dos seus
telefonemas, das suas visitas, das suas cobranças. Da sua vida ao meu lado.
Por isso, hoje a coluna não será somente dedicada às
mães. Será também às filhas. Aquelas que ainda não são mães, as que já são e as
que serão. Para que compreendam logo as estrofes dos poemas. Para que
aproveitam bem todo o tempo com suas mães. Para que não deixem passar nenhum
minuto perdido com bobagem e com briga.
E para as mães, deixo uma frase que circula na
Internet como sendo de autoria de Elisabeth Stone, tão perturbadora e
verdadeira quanto os versos de Coelho Neto. “A decisão de ter um filho é muito
séria. É decidir ter, para sempre, o coração fora do corpo”.
(*) márcia fernanda peçanha martins